quarta-feira, 6 de junho de 2012

POEMA "RIO VERMELHO" DE CORA CORALINA.


RIO VERMELHO
CORA CORALINA
1
Tenho um rio que fala em murmúrios.
Tenho um rio poluído.
Tenho um rio debaixo das janelas
Da Casa Velha da Ponte.
MEU RIO VERMELHO
2
Águas da minha sede...
Meus longos anos de ausência
Identificados no retorno:
Rio Vermelho – Aninha.
Meus sapos cantantes...
Eróticos, chamando , apelando,
Cobrindo suas gias.
Seus girinos – pretinhos, pequeninos,
Inquietos no tempo do amor.
Sinfonia, coral, cantoria.
MEU RIO VERMELHO
3
Debaixo das janelas tenho um rio
Correndo desde quando?...
Lavando pedras, levando areias.
Desde quando?...
Aninha nascia, crescia, sonhava.
4
Água – pedra.
Eternidades irmanadas.
Tumulto – torrente.
Estática – silenciosa.
O paciente deslizar,
O chorinho a lacrimejar
Sutil, dúctil
na pedra, na terra.
Duas perenidades –
sobreviventes
No tempo.
Lado a lado – conviventes,
diferentes, juntas, separadas.
Coniventes.
MEU RIO VERMELHO
5
Meu Rio Vermelho é longínqua
Manhã de agosto.
Rio de uma infância mal-amada.
Meus barquinhos de papel
Onde navegavam meus sonhos;
Sonhos navegantes de um barco:
Pescadora, sonhadora
do peixe-homem.
6
Um dia caiu na rede
Meu peixe-homem...
todo de escamas luzidias,
todo feito de espinhos e espinhas.
7
Rio Vermelho, líquido amniótico
Onde cresceu da minha poesia, o feto,
Feita de pedras e cascalhos.
Água lustral que batizou de novo meus cabelos brancos.

Coralina Cora, 1889- 1985. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais/ Cora Coralina. – 23ª ed. – São Paulo: Global, 2006.

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